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Uma dança das florestas

O Morto e A Morta, trazidos de volta à vida pelo Deus Aroni, chegam à Reunião das Tribos. Erguem-se das suas campas de terra no meio da floresta e pedem àqueles que passam para “aceitarem o seu caso”. O Morto e a Morta, “dois espíritos dos mortos inquietos” que em vida foram marido e mulher, trazem consigo as feridas de um outro tempo, confrontam os seus carrascos num estranho ritual de morte, expiação, desobediência e renascimento. Os quatro mortais que O Morto e A Morta confrontam, carregam o seu passado apesar de não manterem a identidade da sua vida anterior – Rola, uma prostituta que na vida anterior foi Madame Tartaruga; Adenebi, um historiador da corte do Imperador Mata Kharibu, é agora um orador do conselho; Agboreko, foi um adivinho do Imperador Mata Kharibu e nesta vida mantém a mesma atividade; e Demoke, escultor, que outrora foi poeta da corte. O que os precede é também o que determina o seu presente, são o antes e o que se segue, o humano e a floresta. Todos são em simultâneo o que são e o que foram – os mortos e os vivos também. Como uma metáfora botânica devoradora do sentido do mundo, quanto mais se avança na ação mais se recua no tempo.

direção, encenação Zia Soares
texto Wole Soyinka
tradução Rita Correia
dramaturgia, outros textos Zia Soares
interpretação Ana Valentim, Cláudio da Silva, Gio Lourenço, Júlio Mesquita, Matamba Joaquim, Miguel Sermão, Rita Cruz, Vera Cruz
cenário e figurinos Neusa Trovoada
música Xullaji
desenho de luz Jorge Ribeiro
assistência à encenação de movimento Vânia Doutel Vaz
voz off Xullaji, Zia Soares
confeção de figurinos Aldina Jesus Atelier
fotografia Mónica de Miranda, Estelle Valente
vídeo (teasers) António Castelo
estagiário (Bolsa Procultura) Noé João
produção executiva Aoaní d’Alva
coprodução Teatro GRIOT, São Luiz Teatro Municipal

apoios Academia Arte & Dança, Batoto Yetu, Casa da
Dança, Junta de Freguesia da Misericórdia, Khapaz, KMT-Associação Moreira Team, Polo Cultural 
Gaivotas Boavista
agradecimentos
Carlos Caetano, Elson Moreira, Estufa Fria de Lisboa

M/14

Zia Soares, encenadora

Então percebi que era tempo.
O mundo são tempos.
Uma dança das florestas é mundo que se cria, 
em tempo, numa floresta de paus, de olhos devoradores, bocas escancaradas, braços que falam, pernas que voam, céus que são chão.
Atuantes esdrúxulos feitos de tempos –
pré-história,
pré-invasão,
pilhagem,
independência,
liberdade que ainda não chega,
porvir
e ancestralidade –
disputam na cena-mundo os lugares do poder, da morte, da vida e do (re)nascimento.

Atrevem-se a ser divindade, humanidade, maldade e Floresta. Mas sempre são mutações de tempo que rompem fronteiras.

“Cair nas correntes subterrâneas”, navegar “através da crosta endurecida do antiquíssimo vómito” para por fim irromper na clareira de tempo que está cem gerações mais à frente, onde nas boas-vindas aos Mortos o sónico corrompe o verbo, a fala rasga a forma e a imagem se mostra:
Preta. Desmembrada.
“Os pescoços estão todos a ranger de tanto olharem para cima”. Há dor. Os corpos têm então de se esfregar até que os demónios de sangue inchem e
explodam. Vermelho.
“Deem aos mortos espaço para dançar.”
Os corpos são espasmos, a floresta toda se
amontoa e a Cabeça da Floresta destapa as formigas cujos pêlos se eriçam “como caudas de escorpiões.”

 

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