Na solidão dos campos de algodão
Na solidão dos campos de algodão acontece no espaço do deal, da transação ilegal, quando quatro homens se encontram. Em dueto, em cânone, em eco ou em coro, os quatro alternam e sobrepõem-se nos papéis de dealer, de cliente e deles mesmos. Sobre eles não se sabe mais nada, nem sequer os seus nomes.
Tomados pelo medo e pela audácia, embrenham-se numa ostensiva sucedânea de densos solilóquios - quando um toma a palavra os outros interferem buscando obsessivamente o grotesco que na fala subjaz.
Na Cena, os quatro são como que animais acuados num território em que uns vigiam e os outros são vigiados, uns dominam e os outros são dominados. Sem nunca nomearem o desejo, uns desejam e os outros também. Encaram-se corpo a corpo experimentando mecanismos discursivos e estéticos que possibilitem a erupção de pensamentos até então encerrados na memória dos seus corpos vezes demais retratados como marginais, estrangeiros enraivecidos e sujos. Este espetáculo também é, também pode ser, uma autópsia do que acontece dentro destes corpos brutalizados que tentam escapar à solidão do processo de desumanização a que estão sujeitos.
E quando finalmente a dor e a vergonha partilhadas os obriga a verem-se a si próprios nos outros, digladiam-se violentamente numa arena de diálogo e morte. É um combate físico, mas também interno e dialéctico, onde as palavras ultrapassam-se e são ultrapassadas.
Afinal, o que buscam estes homens? O que vendem e o que querem comprar? Qual o desejo que os queima? Qual o ódio que os move? Quão longe são capazes de ir?
texto Bernard-Marie Koltès
dramaturgia, encenação Zia Soares
interpretação Daniel Martinho, Gio Lourenço, Hugo Narciso, Pedro Hossi
cenografia, figurinos Neusa Trovoada
música, design de som Xullaji
design de iluminação Rita Costa, Roger Madureira
apoio ao movimento Lucília Raimundo
fotografia Marlene Nobre
assistência Anca Ușurelu
produção Teatro GRIOT
co-produção Teatro Ibérico
duração aprox 1h 20min